sábado, 29 de março de 2014

Brasileiros (as) justificando o estupro? - Que vergonha - Por Douglas Amorim

No último dia 27 de março, o IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – divulgou uma pesquisa que me deixou envergonhado. Envergonhado de ser um homem brasileiro. A pesquisa foi sobre o estupro. Foram entrevistadas 3.810 pessoas em 212 cidades brasileiras, no ano de 2.013. Foi apresentada a seguinte frase: “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo, merecem ser atacadas”. Os dados são estarrecedores. 26% concordaram inteira ou parcialmente com a frase citada. Ou seja, quase 1.000 pessoas acharam que está tudo certo no fato do homem colocar seu pênis para fora e saciar seu desejo sexual só porque uma mulher vestiu uma roupa curta. Do total de entrevistados, 66,5% eram mulheres e 33,5%, homens.
 
Ainda de acordo com o IPEA, o que parece estar por trás dessa afirmação referente ao estupro, é a ideia de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais. A violência surgiria,  portanto, a partir desta concepção. Outro ponto que me deixa ainda mais espantado é o fato de que muitas mulheres também concordaram com isso. Tal fato me lembra um sem número de mulheres espancadas pelos seus companheiros/agressores que, muitas vezes, dizem ter apanhado por terem sido merecedoras daquilo. Ou seja, dando razão e legitimando da violência perpetrada contra elas.
Esse resultado demonstra uma sociedade profundamente conservadora ainda em muitos aspectos. Apenas pra se ter uma ideia, até bem recentemente, o crime de estupro figurava na categoria de “Crime contra os Costumes”, no Código Penal Brasileiro, editado em 1.940. Apenas em agosto de 2.009 (ou seja, muito recentemente), a Lei Ordinária Federal 12.015 alterou esse título que passou a ser denominado “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”. A partir de então, este delito passou a ter novo entendimento e tratamento. No que tange ao conservadorismo, neste artigo, entendo dois fatores determinantes. O primeiro deles é o fato de muitas mulheres ainda acharem que roupa curta faz com que elas se sintam responsabilizadas por serem atacadas – ou seja, uma visão ainda demonstradora da inferioridade feminina, pois se colocam no lugar de culpadas e, a revisão da lei que trata dos estupros ser feita apenas em 2009, o que sinaliza, no meu modo de entender, uma sociedade ainda muito machista, o que representa um dos traços do conservadorismo brasileiro.
Justificar um estupro pelo fato das mulheres usarem roupas curtas, além de mencionar que tal ato ocorre pelo fato do homem não conseguir controlar seus apetites sexuais é o fim da picada. Freud, uma hora dessas, deve estar se “revirando no caixão” dada tamanha imbecilidade em se justificar o estupro pelo fato de o homem não conseguir se controlar. Ora, falando assim, estamos colocando o homem praticamente na condição de animal. Ou seja, que age a partir de instintos sexuais.
Desde 1.905, Freud já dizia que os instintos são comportamentos animais, hereditários e que ocorrem sempre da mesma forma. Como exemplo, podemos citar rituais de acasalamento ou as migrações de determinadas espécies para a desova. Para nós, seres humanos, ele trabalha com o conceito de pulsão. Para ilustrar, pensemos nessa situação: o desejo de se ter um filho. Ele é um desejo complexo, que aparece em fases variadas da vida de todos nós, por motivos diversos, às vezes pode nem aparecer, podendo até ser redirecionado para outros objetos como se dedicar a uma profissão ou ter um cachorro.  Assim sendo, ter um filho para os seres humanos, é totalmente diferente da programação instintiva dos animais, que é fixa, genética, automática e pré-determinada. As pulsões são maleáveis, passam por escolhas e variam de pessoa para pessoa. Os instintos não.
A mulher brasileira não pode ser condenada a usar burca. Moramos em um país tropical que propicia sim, o uso de roupas curtas e confortáveis. Fora isso, a sensualidade e a feminilidade são ingredientes presentes nas mulheres e as deixam mais bonitas e com a auto-estima mais elevada. Colocar a mulher no lugar de ser culpada por ser estuprada é uma inversão absurda de valores. Ela é a vítima e não a autora, ora. O homem brasileiro, de acordo com esse resultado, está equiparado aos animais irracionais e isso não pode ser entendido como normal. Isso não pode ser legitimado em hipótese alguma. As mulheres já fizeram avanços em muitos campos como no profissional, acadêmico e político, entre outros. Agora é hora de parar de ter medo. Medo de denunciar a violência doméstica, medo de fazer um escândalo no vagão do metrô caso algum abusador encoste nela com intenções sexuais, medo de denunciar o estupro. O poder do “macho” só cairá por terra na hora em que a mulher fizer esse movimento de contra-poder, saindo portanto, da atmosfera do medo. 26% desta pesquisa conseguiram me envergonhar de ser um homem brasileiro.
Um abraço fraterno,
Douglas Amorim