No último dia 27 de março, o IPEA
– Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – divulgou uma pesquisa que me
deixou envergonhado. Envergonhado de ser um homem brasileiro. A pesquisa foi
sobre o estupro. Foram entrevistadas 3.810 pessoas em 212 cidades brasileiras,
no ano de 2.013. Foi apresentada a seguinte frase: “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo, merecem ser atacadas”.
Os dados são estarrecedores. 26% concordaram inteira ou parcialmente com a
frase citada. Ou seja, quase 1.000 pessoas acharam que está tudo certo no fato do
homem colocar seu pênis para fora e saciar seu desejo sexual só porque uma
mulher vestiu uma roupa curta. Do total de entrevistados, 66,5% eram mulheres e
33,5%, homens.
Ainda de acordo com o IPEA, o que
parece estar por trás dessa afirmação referente ao estupro, é a ideia de que os
homens não conseguem controlar seus apetites sexuais. A violência
surgiria, portanto, a partir desta concepção.
Outro ponto que me deixa ainda mais espantado é o fato de que muitas mulheres
também concordaram com isso. Tal fato me lembra um sem número de mulheres
espancadas pelos seus companheiros/agressores que, muitas vezes, dizem ter
apanhado por terem sido merecedoras daquilo. Ou seja, dando razão e legitimando
da violência perpetrada contra elas.
Esse resultado demonstra uma
sociedade profundamente conservadora ainda em muitos aspectos. Apenas pra se
ter uma ideia, até bem recentemente, o crime de estupro figurava na categoria
de “Crime contra os Costumes”, no Código
Penal Brasileiro, editado em 1.940. Apenas em agosto de 2.009 (ou seja, muito
recentemente), a Lei Ordinária Federal 12.015 alterou esse título que passou a
ser denominado “Dos Crimes Contra a
Dignidade Sexual”. A partir de então, este delito passou a ter novo entendimento
e tratamento. No que tange ao conservadorismo, neste artigo, entendo dois
fatores determinantes. O primeiro deles é o fato de muitas mulheres ainda
acharem que roupa curta faz com que elas se sintam responsabilizadas por serem
atacadas – ou seja, uma visão ainda demonstradora da inferioridade feminina,
pois se colocam no lugar de culpadas e, a revisão da lei que trata dos estupros
ser feita apenas em 2009, o que sinaliza, no meu modo de entender, uma sociedade
ainda muito machista, o que representa um dos traços do conservadorismo
brasileiro.
Justificar um estupro pelo fato
das mulheres usarem roupas curtas, além de mencionar que tal ato ocorre pelo
fato do homem não conseguir controlar seus apetites sexuais é o fim da picada. Freud,
uma hora dessas, deve estar se “revirando no caixão” dada tamanha imbecilidade
em se justificar o estupro pelo fato de o homem não conseguir se controlar.
Ora, falando assim, estamos colocando o homem praticamente na condição de
animal. Ou seja, que age a partir de instintos sexuais.
Desde 1.905, Freud já dizia que
os instintos são comportamentos animais, hereditários e que ocorrem sempre da
mesma forma. Como exemplo, podemos citar rituais de acasalamento ou as
migrações de determinadas espécies para a desova. Para nós, seres humanos, ele
trabalha com o conceito de pulsão. Para ilustrar, pensemos nessa situação: o
desejo de se ter um filho. Ele é um desejo complexo, que aparece em fases
variadas da vida de todos nós, por motivos diversos, às vezes pode nem
aparecer, podendo até ser redirecionado para outros objetos como se dedicar a
uma profissão ou ter um cachorro. Assim
sendo, ter um filho para os seres humanos, é totalmente diferente da
programação instintiva dos animais, que é fixa, genética, automática e
pré-determinada. As pulsões são maleáveis, passam por escolhas e variam
de pessoa para pessoa. Os instintos não.
A mulher brasileira não pode ser
condenada a usar burca. Moramos em um país tropical que propicia sim, o uso de
roupas curtas e confortáveis. Fora isso, a sensualidade e a feminilidade são
ingredientes presentes nas mulheres e as deixam mais bonitas e com a
auto-estima mais elevada. Colocar a mulher no lugar de ser culpada por ser
estuprada é uma inversão absurda de valores. Ela é a vítima e não a autora,
ora. O homem brasileiro, de acordo com esse resultado, está equiparado aos
animais irracionais e isso não pode ser entendido como normal. Isso não pode
ser legitimado em hipótese alguma. As mulheres já fizeram avanços em muitos
campos como no profissional, acadêmico e político, entre outros. Agora é hora
de parar de ter medo. Medo de denunciar a violência doméstica, medo de fazer um
escândalo no vagão do metrô caso algum abusador encoste nela com intenções
sexuais, medo de denunciar o estupro. O poder do “macho” só cairá por terra na
hora em que a mulher fizer esse movimento de contra-poder, saindo portanto, da
atmosfera do medo. 26% desta pesquisa conseguiram me envergonhar de ser um
homem brasileiro.
Um abraço fraterno,
Douglas Amorim