O exercício da Medicina, no
Brasil, vem sendo sistematicamente questionado. Também pudera. Quem de nós
nunca se irritou ao ficar esperando um médico por horas em uma recepção de
consultório? Quantas vezes ouvimos casos de médicos que fazem consultas cronometradas,
em menos de dois minutos, sem sequer perguntar o nome do paciente? Essas coisas
fazem com que pensemos que, possivelmente, se eles se propusessem a atender um
número menor de pacientes (e consequentemente receberem um pouco menos), o
atendimento poderia ser mais humano. Felizmente não são todos os profissionais
que se enquadram nesse modelo. Pelo menos os que me acompanham, quando preciso,
são o oposto disso. No entanto, estes são exceção; não a regra. Além disso, a
classe médica conseguiu ganhar a antipatia de quase todas as outras categorias
profissionais da saúde, quando quiseram empurrar, goela abaixo, a lei do Ato Médico,
que preconizava entre outras coisas, a exclusividade do médico em questões de
diagnóstico e prescrição de tratamentos, tirando a autonomia de outros
profissionais de saúde. Felizmente, vários artigos dessa lei foram vetados,
garantindo a legitimidade das demais profissões. Não bastasse isso, agora vemos
cenas lamentáveis envolvendo jovens médicos e estudantes de Medicina na
internet e nos jornais. Ontem assisti um médico dando pontapés na porta de
vidro do prédio, onde estava sendo realizado o processo de preparação dos
médicos estrangeiros, que atuarão no programa Mais Médicos. Lamentável também, foi
a atitude de jovens médicas, agredindo os médicos cubanos, recém chegados ao
aeroporto de Fortaleza, sendo vaiados e chamados de escravos (ressalta-se que
eram médicos negros). Isso, sem falar numa jornalista potiguar, que postou no
facebook, mensagem dizendo que as médicas cubanas mais parecem empregadas
domésticas e que, o médico, se impõe pela aparência. Ainda questiona se eles
sabem o que é Dengue e Febre Amarela. Ela só se esqueceu de dizer que muitos
deles têm títulos de Mestrado e Doutorado, entre outros. Pois bem, deixemos a
jornalista infeliz de lado e voltemos aos médicos brasileiros. Como toda
categoria profissional, assim como policiais, professores etc, podem e devem
protestar quando se sentirem prejudicados de alguma forma. Isso é totalmente
legítimo e eu concordo inteiramente. Porém, de forma organizada e ordeira,
dentro dos limites do que uma democracia permite, dentro de um mínimo de
razoabilidade de Direitos Humanos (afinal de contas, médicos cuidam de
pessoas). Da forma em que está sendo conduzida a insatisfação dos médicos
brasileiros, eles somente terão mais e mais antipatia da população. Os
questionamentos não podem assumir tons de xenofobia e de racismo porque, além
perder a razão, refletindo sua intolerância e preconceito, de acordo com nossa
legislação, são crimes. O programa Mais Médicos pode ter muitas falhas. Médicos
brasileiros alegam falta de estrutura no interior do país. De fato, percebe-se isso.
No entanto, fico me perguntando o porquê de muitos dos profissionais
brasileiros não quererem trabalhar nem na atenção básica nos confins do nosso
Brasil. Alguns programas de PSF, oferecem salários que beiram os 20 mil
reais - quantia impensável para a
maioria da nossa pobre população -. Se a tal estrutura não chegou ainda aos
rincões brasileiros, que pelo menos deixem os médicos estrangeiros trabalharem
com boa vontade. Boa vontade de atender a uma população miserável, carente de
tudo, inclusive, do mínimo de atenção na área de saúde. Eles não estão roubando
emprego de nenhum brasileiro, como anda se dizendo equivocadamente por aí. Os
brasileiros não quiseram ir e, além disso, sua contratação está restrita ao
programa ora mencionado. Ninguém se prontificou a ir para o Vale do Jequitinhonha
ou para o interior do Amapá, por exemplo. São 701 cidades sem nenhum
profissional brasileiro interessado. E lá existem pessoas, como nós, que
merecem ter um mínimo de dignidade com, pelo menos, um médico razoavelmente
perto e disposto a atendê-las. Penso que seja urgente que os médicos
brasileiros se organizem de forma mais adequada e humana, além de repensarem
sua relação profissional-paciente do dia a dia. Caso contrário, ganharão ainda
mais, a antipatia de boa parte do nosso povo. Pra finalizar: não estou entrando
em questões do programa ser eleitoreiro ou não. O que penso é que essa loteria
biológica tem que acabar. Ou seja, quem nasce branco, bem abastado economicamente
e, em regiões com mais recursos, ganhou na loteria. E, o outro ser humano, que
não nasceu nessas condições, que se dane.
Um abraço fraterno,
Douglas Amorim